terça-feira, 27 de setembro de 2016

Tristranhos

Abraço a tristeza como uma velha amiga que me traz versos. Flertamos, antecipando um coito impuro e incomedido. Trepamos. No fim, ela me abraça, e não me quer deixa ir: Diz que sente minha falta, que tem saudades de meus versos, e que eles eram tão seus, e que tem ciúmes das coisas, segundo ela menos bonitas, que tenho escrito às outras. Ela diz que gostaria de estar nas linhas que tenho escrito, e diz que éramos um, feito carne e unha. Eu a fito, nua, e sorrio. Eu a fito e olho dentro dela com a propriedade de quem a conheceu como poucos. Olho dentro dela apenas por olhar, sem rancor ou saudade. Estamos ali, ocupando o mesmo quarto, mas não mais a mesma alma. Eu a solto e me afasto, e ela se vai, silenciosa. E, enquanto termino esses versos, já somos estranhos.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Sangria

Entre o são e o insano,
tons de cinza
acordaram a metrópole.

Minha pressa e teu caos,
gêmeos de um delírio só,
como a luz dos teus olhos,
partiram,
pra ganhar o nada.

Era só um dia comum,
pra ser gasto feito esmola
que a vida cobra.

Na tarde arrastada,
teve o tempo morte alada
e costumeira:
Sem rastros ou sentido.

E o cair da noite
trouxe consigo
um convite e uma dor,
plenos de significado:

Aquele horizonte,
vermelho,
era todo a ausência de ti,
feito uma sangria n'alma.

Castãnoz

No castanho do teu olho,
feito casca de noz,
coube o Universo inteiro
dos meus sonhos.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Do Voto

Voto: Canga que o boi usa, de bom grado, por crer ser canga que impõe ao fazendeiro.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Bastante

Teu amor não bastava,
ao bastardo que então eu era,
mas hoje ele bastaria.

Engraçado como a gente erra,
ao CrerSer quem deveria.

Ezquina

A estupidez sempre espreita
no dobrar de uma esquina
de uma visão estreita.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Coletivos de mim (poema coletivo)

*O poema abaixo foi feito por muitas mãos. As pessoas estavam em um bate-papo, e foram dizendo as frases e juntamos. O tema inicial era "Falta".


Lá fora é lua crescente,
e a tela é só tua ausência,
e se a tela me olha, nem estranho,
não te ver me levar à demência!

Tua falta me arde e me rasga,
essa dor que é saudade, e corrói,
se eu soubesse que amar tanto dói,
gritaria essa dor que me engasga!

Sozinha eu escuto o marulho,
desses nós de dentro mim,
como pôde o dizer do teu nome,
tão amado principiar o meu fim?

Se eu desejo apenas teu riso,
e nesse querer sempre me deparo,
é por ser caro esse amor que preciso,
e aos sete ventos por ti declaro!

Se sigo te querendo, e sou incompleto,
feito uma lástima num dia esquecida,
tenho o direito de fugir do teu tão perto,
pra não me ver num manicômio, enlouquecida!

terça-feira, 14 de junho de 2016

terça-feira, 7 de junho de 2016

Pedro

Pedro [Micro-conto]

Pedro abriu a porta da estante. Dentro dela havia um fim de tarde muito bonito, e um gramado viçoso, onde corriam crianças com seus cães, brincando de pegar. Havia algumas pessoas sentadas sobre toalhas coloridas, lanchando. Todas aquelas pessoas verde-limão pareciam muito felizes. Pedro fechou a porta da estante, preocupado e pensativo: O que haveria na gaveta?

Pedro parou um instante: Não sabia se deveria abri-la ou não. A gaveta era menor, então talvez não comportasse uma tarde inteira... Será que haveria na gaveta as mesmas pessoas verde-limão? Será que também haveria nela crianças e cães? E se saíssem da gaveta exércitos de criaturas estranhas e desconhecidas? E se essas criaturas tomassem sua casa e sua rua, ou quem sabe, o mundo? Acalmou sua mente e seu coração, e pôs a mão direita sobre o puxador... sentiu a coragem crescendo dentro de si, sentiu-se bravo como um leão – "mas leões não são bravos..." – pensou – "leões são covardes... a gaveta” – suor sobre a testa, olhar fixo, o peso do mundo nos ombros... vagarosamente abriu a gaveta, como se abrisse a caixa de Pandora:

– “Por Deus! São duas colheres!”

terça-feira, 24 de maio de 2016

Lótus

Da lama, vem o dilema,
drama, então seiva bruta,
subindo pelo xilema,
pra ter na folha a labuta.

Glicose a folha comuta,
de água, carbono e luz,
floêmica seiva produz,
nobre, limpa, impoluta,

que descendo, pelo floema,
conduz a planta à permuta,
pela seiva-saber-poema,
que a alma toca e transmuta!

Quão sábia é a natureza,
resultar de tanto labor,
profunda e bela pureza,
da Lótus, divina flor!

segunda-feira, 23 de maio de 2016

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Do que sei do Céu

Como escrever sobre o céu,
se não o conheço?

Do céu entendem os pássaros,
que tem nele um destino e um convite,
liberdade viva,
e um confino, e um limite...

Do céu entendem as estrelas,
que por ele, na noite dançam,
e a lua, que reflete o sol que antes foi dia...

Que hei eu de saber do céu,
se no céu não vivo?

O que sei do céu,
é que dele Deus tirou a cor dos teus olhos,
e desde então, dos teus olhos tem o céu inveja.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

domingo, 17 de abril de 2016

Temerárido

Temerário é o uso do erário,
e ao vil expediente, diligente,
e nos contam o conto do vigário,
de servir o erário à gente!

O erário serve ao governante,
e seu uso não tem na decência um crivo:
Seja para a esposa, o filho ou amante,
seja verba desviada ou cartão corporativo,
o erário segue, como cortesã elegante,
que um político pedante conduz, lascivo.

Temerário é o uso do erário,
e ao vil expediente, diligente,
e nos contam o conto do vigário,
de servir o erário à gente!

O erário serve esse sujeito,
pouco honesto, o governante:
Seja em campanha ou n'algum pleito,
no calar funesto de ideia dissonante,
o erário segue servindo ao malfeito,
e ao mau jeito desses vermes eloquentes,
seja em artimanhas ou sanhas golpistas,
ou em atos populistas, improbes e indecentes.

Temerário é uso do erário,
e ao vil expediente, diligente,
e nos contam o conto do vigário,
de servir o erário à gente!

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Subnominando

A cena diz mais de mim
e de tu, que dá cena.
No truque que encena,
no homem cruzando o beco,
eu vejo um ladrão,
o sindicalista um peão,
e o mendigo, pirão.
Pra cena, beco no homem,
todo mundo é ator:
O ladrão e o peão,
o mendigo e a fome;
Pra cena, beco do homem,
todo mundo é ator,
sendo ou não dor,
tendo ou não nome;
Na cena-beco, nu o homem,
o homem é o beco,
e o beco é o homem.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

CheuVer

Estruturam-se atordoados de átomos,
brotam conglomerados de células,
terrenos onde somos condomínio de ideias.

Será que chove?

Rumanando

É preciso dar nome aos bois:
Marias, Pedros, Joões,
ruminando pelos currais
de suas subjetividades,
em filas de metrô,
nos bretes sujos dos centros,
pisando as dignidades
perdidas pelas parelhas
que por ali passaram,
rumando o abate diário
de quem poderiam ter sido.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Da afinidade

Afinidade é ponte ligando almas.

estreitempo

o tempo espreita
sem ser notado,
e se estreita,
ao morrer calado.

Pouco a pouco

Te perderei por desatenção:
Pelo Presente negado,
assim, sutil.

Te perderei nos minutos de atraso,
nessas pequenas escolhas quanto a cor,
perfume ou lugar.

Talvez te perca por escolher a hora errada
de dizer a coisa certa,
ou por escolher a hora certa
de dizer desnecessarisinceridades...

Te perderei assim,
por não notar o que não importa.

Pouco a pouco, sem Querer,
quase que não querendo,
é assim que te perderei:
Pequenas prestações de conta velha
que o tempo cobra,
como obra que um artesão esculpe,
em cada entalhe-detalhe,
despretansiosa e minuciosa-mente.

palavradas

palavras aladas
atadas por cordas,
saem, em hordas,
de dentro de mim,

contando que

palavras lavradas,
presas à terra,
enraízam quem erra,
dentro de mim,

doendo, porque

palavras mentidas,
mentira-esparrela,
chegaram-se dela
e armaram-se em mim,

preu cair, morto.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Tequisla

Sal,
pele,
limão,
lábio,
língua.
Te
quis,
lá:
Tequila.

Realiverdades

Observo a folha.

Ela está mais verde que o normal,
ela está mais folha que o normal,
ela está mais verde do que folha.

Observo a mim observando a folha.

Que sou eu e o que é folha?

Seria a folha o verde que a folha pintou em mim,
ou seria a folha o verde que pinto em mim ao ver a folha?

Somos o ver da folha,
e há folhas verdes porque as vejo,
e há um eu porque voz em vós as vedes.

sábado, 19 de março de 2016

Sêila

Que é a vida se não sonho que se vive?
E que é o sonho senão vida que se sonha?
Ser é saber do que se sente,
e sinto que és tão bela quanto a luz permite.

És indesculpavelmente bela, e mais
mais que o verbo alcança e o sentido percebe.
És indecifravelmente bela, e mais
mais que o distinguir o real do sonho permitiria saber.

É tanto que não sinto,
é tanto que não percebo,
é tanto que não distinguo.

Apenas é assim:
Eu apenas Sêila.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

33

Me movo pelo mundo ou o mundo se move por mim?
Passo pelo mundo ou o mundo passa por mim?
Sou parte do mundo ou o mundo é parte de mim?
Sou parte do mundo ou o mundo parte de mim?

São 33 anos,
são 33 vidas,
às vezes mais e noutras menos,
são.

Passo pelo tempo,
E o tempo é o lugar que o espaço ocupa:
O tempo é a forma de não pirar da cuca.

São 33 anos,
são 33 vidas,
às vezes mais e noutras menos,
louco.

Passo pelo tempo,
e no tempo me movo e estou contido:
O tempo é o meio em que sou vivido.

Me movo pelo tempo ou o tempo se move por mim?
Passo pelo tempo ou o tempo passa por mim?
Sou parte do tempo ou o tempo é parte de mim?
Sou parte do tempo ou o tempo parte de mim?

São 33 anos,
são 33 vidas,
às vezes mais e noutras menos,
lúcido.

Passo pelo mundo,
E o mundo é o lugar que o tempo acontece:
O mundo é o agora que o processo merece.

Me movo pelo processo ou o processo se move por mim?
Passo pelo processo ou o processo passa por mim?
Sou parte do processo ou o processo é parte de mim?
Sou parte do processo ou o processo parte de mim?

Mundo, tempo, processo,
amor, espaço e divino,
enquanto no tempo não cesso
(e espero que tarde o Destino),
pelo Presente, presente passo,
atento ao que passa pelo cristalino:

São 33 anos,
são 33 perspectividas.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Estando

Sou estar.

Um estar constante e perecível,
e um tanto sensível à lua cheia,
sou coração e alma e processo,
e pele e carne e sangue e veia,
que pelo tempo trilha:
Sou essa ilha, sou essa aldeia,
em meio ao instante gasto,
e não sou puro e nem sou casto,
nem alheio ao pasto e ao ar,
por ser vida e biologia,
levo essa Vontade de arrasto,
bastarda filha do respirar,
se expandindo pelo lastro,
desse escuro e vasto Universo:
Sou de Deus o Verbo e o Verso,
divino réu confesso vagando errante,
uma ilha-aldeia em meio ao instante,
que nem sabe porque existe.

Mas sou feito de amor e éter,
que por ter sido e ser, insiste,
em viver por respirar,
e respirar por aprender.

Sou crença que perpetua no tempo,
por insistir e crer que há razão de perpetuar-se,
nada mais, nada menos:

D'Eus.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Paragens

Pedi ao vento que trouxesse amor,
e ele fez de mim poesia,
preu buscar o amor noutras paragens,
mas tudo o que via eram tuas imagens,
nessas damas que encontrei pelo caminho,
e minuano frio, segui sozinho,
e minha mente confusa pra mim mentia,
pois se eram as tuas imagens o que eu via,
sentia não amor, mas sim saudade,
falta e dor que só por maldade,
covarde em meu peito se instala e abriga,
me entala e maltrata e minha alma fustiga,
buscar-te nas outras, cidade em cidade.

Carnaval

Que eu seja o coveiro que enterra a decência,
e que eu seja o terno do coveiro,
preto e fúnebre,
e que eu seja o funeral inteiro,
e as mãos enlutadas levando o caixão,
e a tristeza que não veio.

E que eu seja paetê e a pá e a terra,
e me derramem sobre a decência,
para que eu a sinta fria e morta sob mim.

E que eu seja a viúva e que eu não chore,
pois decência alguma merece lágrimas.

E que eu seja livre para a volúpia e a luxúria,
E que eu trepe e sambe sobre o caixão da decência,
E que eu seja meio do mais intenso carnaval,
diabolicamente divino,
divinamente humano e mortal,
quase que candidamente insano.

Dia de Sul

O sol repousa, manso,
sobre o campo verde,
e a garoa fina
perfuma a terra.

O que dizer que não disse o dia?

domingo, 24 de janeiro de 2016

Baú

Pedi à lembrança um sorriso teu,
e ela me fez feliz:
Quis do tempo que parasse neste instante.

Não havia mais o que ver ou sentir:
Teu sorriso basta.

Não há mais mistério que importe,
não há mais Norte a seguir,
nem morte a temer,
pois teu riso, teu riso é a razão de haver,
átomos e ondas, matéria e energia:

Teu riso é cria e razão de ser do Universo.