segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Poema sem nome

tenho todo o espaço
e o tempo inteiro
sou luz sem vela
nau sem timoneiro

destino sem causa
pensamento sem freio
cometa sem cauda
estampido sem meio

sou meio de mim
e no fim, recomeço
não vivo nem morro:
aconteço.

Rosamarelouro

O dia amanheceu cinza
e ela viu pela janela
o leve estalar dos galhos
das árvores do pomar

E quis o dia mais bonito
fugir do cinza
e ser mais leve que o ar
e no sonho se fez balão.

E o vento consentiu
e partiu a menina-balão
a colorir o céu
com seu rosamarelouro...

E sobre o azul-imensidão
ao sabor do vento-brisa,
jogou bola com os deuses
e sorriu, enfim livre...

Afago

Meu pensamento suprimiu o espaço
cavalgou o etéreo e te encontrou,
em meio a um sonho meu!

E eram flores que vinham de ti
coloridas e perfumadas e em profusão

E senti o sentir de um afago teu:
Um arrepio do início ao fim d'alma
seguido da paz de um Buda
em cada canto do meu espírito.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Antiode aos vermes

Se eu passar pela vida
sem cometer erros
ou sem esquecer
coisas importantes
sem magoar alguém que não mereça
ou sem ser magoado,
por certo não terei vivido
nem um segundo
do tempo que dispus.

Aos vermes deixarei,
meu corpo inútil
e consumido
por toda experiência
que possa ter valido a pena!

Eis a vida que não deixarei de viver:
Hei de magoar,
hei de ser magoado também!
Hei de ser torpe por vezes,
e nobre quando convier,
como todos os outros o são!

Hei de esquecer
e de ser esquecido
e hei de estar vivo,
ao menos em parte de mim,
em todo verso que escreva,
e em cada banho de chuva
que minha pele sentir!

Hei de ser mais vivo
que o verme que roerá minhas entranhas,
pois nenhum perdão vale a pena,
e nenhuma abstenção trará glória alguma!


Eis o relato prévio de minha lápide:
Não ousei poupar ninguém de sofrer,
nem a mim mesmo!
Jamais pude ser injusto para tal:
Estive ocupado demais vivendo o tempo que tive!

Tomem de mim os restos, vermes! Nada mais de mim terão,
Que não os restos de minha carcaça
podre e pútrefa
como tudo o mais que habita
este mundo insano e vil.

sábado, 19 de maio de 2012

A rua


Meu passado não pertence a mim
já não sou eu naquelas fotos
empoeiradas nas gavetas

Voltei para ver a velha rua
mas tudo mudou tanto
caiaram as casas
podaram as árvores
a figueira cresceu
e abraçou a calçada e o asfalto.

Mas as pessoas rumaram
outras vidas, outros ares, lugares
só a velha rua ficou
inerte, para contar a história
que já não pertence a ninguém.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Seu

Seu


Nem o ar que infla seus pulmões

Nem a água que compõem

os tecidos e órgãos


Nem o cálcio que forma

ossos


Tudo foi emprestado,

roubado da mãe Terra


Nem você é seu

Porque nada é

real e definitivamente

"seu".

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Lirismo

Se faltam palavras
é porque sobra lirismo
em teus beijos

Se o verso fugiu de mim
é porque se escondeu
no balançar de tuas cadeiras

Se a poesia se escondeu de mim
fez morada onde não a posso tocar
bem dentro do meu coração
ao lado de uma prece que leva teu nome:

C. P. H.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dar-te-ei o mundo

Trouxe o dia nas costas

e o peso do mundo nos ombros

e escondeu cada dissabor e lamento

num suspiro mudo

pois o pequeno dormia

silencioso e calmo

como ontem e anteontem

e antes e sempre, dormia.


Os cachos e os sonhos do inocente

docemente acomodados

no travesseiro de Camomila:


"Hei de te dar o mundo, meu filho

e o brinquedo mais bonito!

O melhor berço azul!

Na mais colorida das festas,

o mais chocolate dos bolos!

E adornos de toda sorte

enfeitarão as prateleiras do teu quarto

E terás enfim tudo!"


...


Foi-se cedo.


Ninguém esperava

e nada levou

e seu rosto já não escondia

nem as preocupações da vida

nem as noites que não dormiu


E no meio daquela gente

o pequeno então sorriu

e apontou para a grande e preta caixa:

"Mamãe, por que papai não acorda?"


E o anjo sentou ao chão

e brincou com seu caminhão verde:

Uma velha e enferrujada

lata de ervilhas vazia.