segunda-feira, 29 de junho de 2015

Prepulscia

Pulsa, cidade.
Pulsa como coração fosse,
pois tuas avenidas são tuas artérias,
e tuas ruas tuas veias,
e tuas vielas e becos,
teus capilares.

Pulsa, cidade.
Em teus lares as presas se escondem,
e em tuas esquinas os rumores voam,
nesses bares suburbanos onde bebem,
antes de ter com seus travesseiros sujos,
estes sonhos frustrados,
os mesmos que conduzirás trôpegos,
(pelos teus capilares tão sujos quanto aqueles travesseiros)
para seus quartos pobres de sono leve e barulhento,
teu presente diário ao descanso alheio.

Pulsa, cidade.
Pulsa pois és coração,  mesmo que não ames,
és coração pois há pressa que bate nas pressas,
que se batem pelos caminhos de tuas calçadas
pois há prestações que honrar,
e porque há prestações que honrar,
e porque se esbarram, mais se apressam,
e mais se esbarram.

Pulsa, coração:
No ritmo da pressa do outro e da minha:
Pois esse é o ritmo em que tu pulsas,
e pulsam teus pensamentos e tuas emoções,
que emanam das raivas que transitam pelas artérias,
dessas Medeias que são teu sangue,
e envenenam esse grande e cansado coração,
onde não cabem todos e onde há muitos à margem,
implorando migalhas nas tuas marginais fuligentas.

E tu, maldita, inda pulsas...
Inda pulsas porque há pressa,
essa carapuça que escolhemos para existir sem dor,
essa que é um destino e um meio de vida,
ou de ausência ou anuência dela.

Essa pressa é um pulsar que não pára,
e são esses segundos que o tempo nos rouba nos semáforos,
eles que são essa neurose,
essa psicoescoliose,
essa lordose dosada pelos bancos ruins dos ônibus,
e essa gastrite do almoço ligeiro e do caminhar corrido,
e esse joanete que late para meus sapatos rotos,
(que couberam em minhas prestações, mas não em meus pés)
e esse dolorido do pé, que o fim do dia sempre premia,
com merecida bacia de água quente e lixa áspera.

Arre! Arre que a pressa são essas filas de padaria,
e o tempo que o banco nos toma,
como juros que pagamos pela espera inútil.

Pressa essa que é a morte que espera,
pelos velhinhos das filas preferenciais,
esses pretéritos preteridos pelo grande coração pétro-pulsante,
mas que a morte anseia, e por isso a pressa os prefere.
Sim: A pressa os prefere, como os preferem os bancos,
como preferem suas miseráveis pensões,
e como preferem suas nádegas murchas e colunas arqueadas,
os estofados e os encostos dos bancos dos bancos.

Um dia infatartas, coração.
Um dia infartas, e levas de tudo:
Bancos, velhinhos,
e vielas e filas,
e semáforos e colunas arqueadas.
Um dia infatartas, coração:
Um dia infartas.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Canto do raiar do dia

Acordei nesta manhã,
e ouvi os pássaros cantando.
Senti seu canto dedilhando minh'alma,
como fosse um violão velho e cansado.

Mas a melodia, a melodia deu-me forças:
Como é forte a melodia dos pássaros!
Como são fortes os pássaros,
e como é forte o seu canto.

Invejo o raiar de todas as manhãs,
por acordarem com o canto dos pássaros:
No canto deles têm destas manhãs,
razão de raiarem jovens e mornas.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Aos enamorados

Teus braços,
e os meus:
São laços;

Teus passos,
e os meus:
Compasso;

Teus beijos,
e os meus:
Amasso;

Tua noite,
e a minha:
Cansaço;

Tua vida,
e a minha:
Um paço;

Teu tempo,
e o meu:
Espaço.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Depois

Deixei tudo para depois:
O amor, os invernos, e os verões.
Deixei para depois o instante, a Dádiva,
e fui o depois que não chegou, o postergado.

Fui ter com o fim da vida,
como o faz todo esse gado
que anda e rumina: Fui o precipitado.

E fui o precipício para quem não disseram
que haveria um chão e um fim,
e cheguei.

E tenho hoje, sobre mim,
de terra, sete palmos,
e esses vermes que roem minha carcaça triste,
triste por ter sido como a criança
que no Natal prendeu-se à beleza do pacote:
Triste por ter sido a criança que esqueceu o Presente.

domingo, 7 de junho de 2015

Verdes Verdades

Se é a Verdade
o encontro dos olhos
com o tempo e o espaço,
E se eu pudesse
escolher uma Verdade,
escolheria a Verdade
do verde dos teus olhos
por ser aquela que agrada aos meus.

Do que vivi do amor.

Se estiveres feliz, estarei feliz:
Não deixei de te amar por um segundo.

E te amei mais quando parti.
Parti de ti, e parti teu coração,
mas de mim parti a alma em duas.
E ainda dói.

Dói quando tens raiva de mim,
e eu o sinto, e eu o sei porque
queimam meu estômago,
e entre meus olhos.

Mas essa dor é menor
que a dor de te fazer triste.

Há quem precise voar: Parti e voasses.
Hoje não tenho teu encanto nem teu beijo,
mas vejo teu sorriso e ele é mais belo
que qualquer canto ou beijo poderia ser:
Mais belo que um balão rosa no céu,
e mais belo que o amarelouro do sol.

Quando vejo o verde mar de Maceió,
lembro dos teus olhos e penso
o quanto não devem brilhar
por veres as cores do mundo.

Isso faz de mim Pleno.



(Escrito em 2013 e terminado em 2014. Já não sinto mais isso, mas ficou bonito e achei que deveria publicar.)

Deles

Boêmio abstêmio
Ateu crente
Demente lúcido
Translúcido opaco
Velhaco sério
Mistério aparente
Parente bem-vindo
Dormindo acordado
Fadado escolhido
Afável maldoso
Refrigerante saudável
Besteira importante
Sintonia paralela
Balela verdadeira
Simplicidade complexa
Convexa côncava
Ódio amoroso
Perdão rancoroso
Descanso cansativo
Ativo passivo
Remissivo expandido
Lascivo puritano
Humilde soberbo
Temido adorado
Amado escolhido
Pacífico armado
Específico abrangente
Indigente rico
Onírico real
Lerdo lesto
Oculto manifesto
Político honesto.