sábado, 5 de dezembro de 2015

Nada Vale

Sangra, rio.
Sangra cor de cobre,
sangra ferro, sangra bauxita,
sangra tanto que ninguém acredita,
sangra e cobre casa e gente e bicho,
e mato.

Mata, rio,
mata o que vive e o que rasteja,
e a mata, e o que nada, e o que quer que seja,
que esteja no caminho da barragem,
mata a mata e mata a paisagem,
e deixa essa imagem assim,
embarrada, desolada e morta,
vontade torta nesse metal vileza,
tristeza que cavalga o leito,
pelo vil metal, esse deus eleito,
torto deus que nada Vale.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Do real

O real é a sopa feita de todas as coisas
que ingerimos de alguma forma,
e o real é a Energia que se submete
à Norma de estar no tempo.

O real é essa pintura que fazemos,
dentro e sempre dentro de nós,
e sobre a tela que temos,
e com as cores das quais dispomos,
mal acabada, pobre e torta como somos.

O real é uma mentira que contamos,
para a parte de nós que vê e sente:
Mentira rota sobre o que é o Presente.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Efeito

Tanto os pássaros em seus ninhos,
e sua liberdade, agora canto,
como o fluxo desse rio,
adornado pelas sombras dessas árvores,
ausências sentidas da luz desse morno sol,
prisioneira luz dessas folhas verdes,
com as quais a brisa dança,
tanto quanto o destemido fio de luz,
deste mesmo morno sol,
que valente se faz caminho,
pelo ar e por entre as sombras,
para regalar-se à corrente e ao rio...

Todo esse dia, tão pleno e vital,
Todo esse dia, tão verde e morno e vivo,
Todo esse dia grita a quem quer escutar e ver,
o segredo simples do que é ser feliz:
Aceitar e entender e amar o fato maior,
de que para além das coisas que importam e vivem,
há o nada.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Poeira

Mesmo que escrevas como um poeta,
mesmo que estejas entre poetas,
mesmo que penses como um poeta,
ou mesmo que te acompanhem pelas noites,
o absinto ou o escárnio,
ou mesmo que batam à tua porta,
Insanidade, Angústia ou Solidão,
se não as sentires como um poeta,
se não as sentires queimando em tua pele e comendo de tuas entranhas,
se não as sentires na proporção das dores que tem o mundo,
se não as sentires tiranizando e deglutindo tua alma,
não serás um poeta,
jamais serás um poeta,
e não serão teus versos mais que tempo perdido.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Alma e pele

O que tens me enamora,
e o que tens me devora,
entranhas, medos e inseguranças,
e o que tens me traz lembranças,
de coisas que não vivi,
e saudades dessas mesmas coisas.

E o que tens é só teu, e eu o admiro,
esse sentir pleno, destemido e vasto,
levando meus medos, de arrasto,
como um vendaval o faria a esses lençóis,
testemunhas que enfeitam meus varais e meus sonhos,
esses lençóis, que quem diria,
tanto viram e sabem, como agora eu o sei,
o quanto a pele pode servir à alma,
e o quanto a alma pode fundir-se à pele...

E eu o soube pelo brilho dos teus olhos,
naquele instante único eu o soube,
e daquele instante o levarei por toda a vida,
esse ensinamento pleno de tua pele-alma-morena,
do que é o sentir verdadeiro,
esse ensinamento agora visceral e encarnado em mim,
esse ensinamento do que é Ser real...

Reencontrei em tua pele e nessa tua loucura,
minha alma e o real e o sentido,
e minha cura.

domingo, 13 de setembro de 2015

Encontro

Não há menos nesses lábios
que se beijam,
do que almas que se tocam.

E povoam meus pensamentos,
cada curva do teu corpo.

E as sinto tão reais,
quanto permitiriam que as sentisse,
minhas mãos e minha língua.

Esse instante em que se tocam,
as almas, pelas bocas,
é tão pleno de sentir e sentido,
como o são vivas as manhãs
em que o sol visita o inverno.

Esse instante em que se tocam,
as vidas, pelas línguas,
é tão mágico e sublime,
como o são mágicos e sublimes,
esses momentos em que se entregam,
as tardes às noites de verão.

Meus lábios e os teus,
como um limiar de almas,
e os teus lábios e os meus,
como um sentido de existência...

Nesse encontro de dois mundos,
tenuemente sobrepostos,
separadamente vívidos e unos,
você e eu,
nesse deus-tempo-espaço-manifesto,
como lábios, línguas e almas.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Soneto ao Tédio

Vejo o sol, sem par, tocar a mesa,
E sinto da janela, devir da brisa,
Entorpece-me sentidos, e humaniza,
Meu definhar lento, essa vagareza.

Sou do tempo essa moribunda presa,
que a poeira dos tapetes satiriza,
poeira que ilude o enredo à guisa,
de Farsa sobre minha não-presteza:

Ri-se a poeira desde o chão vadio,
de eu não ser nada senão o fastio,
de eu não ter nada senão ao tédio,

essa mesmice que de mim se apossa,
essa lerdice, lesão que me acossa,
e que tem na morte melhor remédio.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Universo

Somos poema qualquer que o agora diz,
nas cordas vocais do tempo.
Destino ou razão de um deus qualquer
para explodir-se,
razão qualquer que se afasta do centro,
e expande.

Somos parte de um todo que não entendemos,
somos parte de um todo grande demais
para que o entendamos,
e somos filhos da terra que um dia foi cosmo,
e somos o ócio do caos que se estrutura,
por ser energia veloz que desrespeita ao ócio.

Somos filhos da água que um cometa trouxe,
e luz que perde a viagem e aceita um corpo,
pois só assim é livre de ter com o meio.

E temos na chuva e na pele,
e na beleza verde das marés,
e no toque de seda dos ventos de primavera,
razão divina do deus qualquer que somos,
de sermos plenos, gratos, e felizes:
Somos parte viva do poema que o agora diz,

nas linhas curvas do tempo.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Acrostarquia

Apenas
poetas
enxergariam,
nesta
anarquia
sonolenta,

uma
manipulação
acróstica,

palavras
aladas,
lavrando
avessos
versos,
remando
alíneas,

por
onde
rumam,

linhas
insanas,
notas
humanas
absortas.

domingo, 9 de agosto de 2015

Tarde verde

É tarde verde, sentai e vede, raso e ralo, o regato, levando ao acaso, regalo aos olhos, folha caída, antes árvore e vida, e agora, corrente. É tarde verde, sentai e vede, o Presente. Calai mente e coração, e contemplai e senti, o sabor do acaso, que o tempo regala: Tudo o que foi ponto, explodiu e foi caos, e agora o É, Verde e Belo, Dádiva e Fluxo.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Grude

Eu não sou meu Feicebuqui.
Eu não sou nada maior que um grão de areia.
Eu não sou esse corpo que me carrega,
e eu não sou essa voz, 
não apenas ela, ao menos. 
Eu sou o grão de areia que o universo torna menor que um grão de areia,
e eu sou o grão de areia que o neutrino torna imenso, 
e o ego que me torna falsamente maior que tudo isso.
Eu percebo e digo que penso,
e penso o que digo, e por isso tudo o que eu digo é mentira,
mesmo que eu seja verdadeiro.
Eu sou como um inverno em janeiro, no Sul...
Sou como um céu coberto de nuvens de chuva
num dia de céu azul: Eu não sou.
E tu sou eu.
E eu sou um tu em ti, e tu és um eu em mim.
Decifra-me, Cifra-me, Versa-me e me avessa,
e Seja-me.
Viaje-me por dentro de cada desatino,
e sê eu como tu és tu,
e sê sábio como quem olha para as estrelas e as admira,
e sabe e ama o tamanho que não tem,
pois tudo o disso é divino e belo.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Prepulscia

Pulsa, cidade.
Pulsa como coração fosse,
pois tuas avenidas são tuas artérias,
e tuas ruas tuas veias,
e tuas vielas e becos,
teus capilares.

Pulsa, cidade.
Em teus lares as presas se escondem,
e em tuas esquinas os rumores voam,
nesses bares suburbanos onde bebem,
antes de ter com seus travesseiros sujos,
estes sonhos frustrados,
os mesmos que conduzirás trôpegos,
(pelos teus capilares tão sujos quanto aqueles travesseiros)
para seus quartos pobres de sono leve e barulhento,
teu presente diário ao descanso alheio.

Pulsa, cidade.
Pulsa pois és coração,  mesmo que não ames,
és coração pois há pressa que bate nas pressas,
que se batem pelos caminhos de tuas calçadas
pois há prestações que honrar,
e porque há prestações que honrar,
e porque se esbarram, mais se apressam,
e mais se esbarram.

Pulsa, coração:
No ritmo da pressa do outro e da minha:
Pois esse é o ritmo em que tu pulsas,
e pulsam teus pensamentos e tuas emoções,
que emanam das raivas que transitam pelas artérias,
dessas Medeias que são teu sangue,
e envenenam esse grande e cansado coração,
onde não cabem todos e onde há muitos à margem,
implorando migalhas nas tuas marginais fuligentas.

E tu, maldita, inda pulsas...
Inda pulsas porque há pressa,
essa carapuça que escolhemos para existir sem dor,
essa que é um destino e um meio de vida,
ou de ausência ou anuência dela.

Essa pressa é um pulsar que não pára,
e são esses segundos que o tempo nos rouba nos semáforos,
eles que são essa neurose,
essa psicoescoliose,
essa lordose dosada pelos bancos ruins dos ônibus,
e essa gastrite do almoço ligeiro e do caminhar corrido,
e esse joanete que late para meus sapatos rotos,
(que couberam em minhas prestações, mas não em meus pés)
e esse dolorido do pé, que o fim do dia sempre premia,
com merecida bacia de água quente e lixa áspera.

Arre! Arre que a pressa são essas filas de padaria,
e o tempo que o banco nos toma,
como juros que pagamos pela espera inútil.

Pressa essa que é a morte que espera,
pelos velhinhos das filas preferenciais,
esses pretéritos preteridos pelo grande coração pétro-pulsante,
mas que a morte anseia, e por isso a pressa os prefere.
Sim: A pressa os prefere, como os preferem os bancos,
como preferem suas miseráveis pensões,
e como preferem suas nádegas murchas e colunas arqueadas,
os estofados e os encostos dos bancos dos bancos.

Um dia infatartas, coração.
Um dia infartas, e levas de tudo:
Bancos, velhinhos,
e vielas e filas,
e semáforos e colunas arqueadas.
Um dia infatartas, coração:
Um dia infartas.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Canto do raiar do dia

Acordei nesta manhã,
e ouvi os pássaros cantando.
Senti seu canto dedilhando minh'alma,
como fosse um violão velho e cansado.

Mas a melodia, a melodia deu-me forças:
Como é forte a melodia dos pássaros!
Como são fortes os pássaros,
e como é forte o seu canto.

Invejo o raiar de todas as manhãs,
por acordarem com o canto dos pássaros:
No canto deles têm destas manhãs,
razão de raiarem jovens e mornas.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Aos enamorados

Teus braços,
e os meus:
São laços;

Teus passos,
e os meus:
Compasso;

Teus beijos,
e os meus:
Amasso;

Tua noite,
e a minha:
Cansaço;

Tua vida,
e a minha:
Um paço;

Teu tempo,
e o meu:
Espaço.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Depois

Deixei tudo para depois:
O amor, os invernos, e os verões.
Deixei para depois o instante, a Dádiva,
e fui o depois que não chegou, o postergado.

Fui ter com o fim da vida,
como o faz todo esse gado
que anda e rumina: Fui o precipitado.

E fui o precipício para quem não disseram
que haveria um chão e um fim,
e cheguei.

E tenho hoje, sobre mim,
de terra, sete palmos,
e esses vermes que roem minha carcaça triste,
triste por ter sido como a criança
que no Natal prendeu-se à beleza do pacote:
Triste por ter sido a criança que esqueceu o Presente.

domingo, 7 de junho de 2015

Verdes Verdades

Se é a Verdade
o encontro dos olhos
com o tempo e o espaço,
E se eu pudesse
escolher uma Verdade,
escolheria a Verdade
do verde dos teus olhos
por ser aquela que agrada aos meus.

Do que vivi do amor.

Se estiveres feliz, estarei feliz:
Não deixei de te amar por um segundo.

E te amei mais quando parti.
Parti de ti, e parti teu coração,
mas de mim parti a alma em duas.
E ainda dói.

Dói quando tens raiva de mim,
e eu o sinto, e eu o sei porque
queimam meu estômago,
e entre meus olhos.

Mas essa dor é menor
que a dor de te fazer triste.

Há quem precise voar: Parti e voasses.
Hoje não tenho teu encanto nem teu beijo,
mas vejo teu sorriso e ele é mais belo
que qualquer canto ou beijo poderia ser:
Mais belo que um balão rosa no céu,
e mais belo que o amarelouro do sol.

Quando vejo o verde mar de Maceió,
lembro dos teus olhos e penso
o quanto não devem brilhar
por veres as cores do mundo.

Isso faz de mim Pleno.



(Escrito em 2013 e terminado em 2014. Já não sinto mais isso, mas ficou bonito e achei que deveria publicar.)

Deles

Boêmio abstêmio
Ateu crente
Demente lúcido
Translúcido opaco
Velhaco sério
Mistério aparente
Parente bem-vindo
Dormindo acordado
Fadado escolhido
Afável maldoso
Refrigerante saudável
Besteira importante
Sintonia paralela
Balela verdadeira
Simplicidade complexa
Convexa côncava
Ódio amoroso
Perdão rancoroso
Descanso cansativo
Ativo passivo
Remissivo expandido
Lascivo puritano
Humilde soberbo
Temido adorado
Amado escolhido
Pacífico armado
Específico abrangente
Indigente rico
Onírico real
Lerdo lesto
Oculto manifesto
Político honesto.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Lero

Morena:

Sê minha Roma
E me chama de Nero
Que eu te incinero.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Bonsai


Enxergar as coisas como são,
é a sabedoria de quem observa.
Deixar as coisas como estão,
é a sabedoria de quem entende.
Escolher das coisas como estão,
é a sabedoria de quem vive.
E aceitar as coisas como são,
é da sabedoria de quem ama.

E só quem observa, entende.
E só quem entende, aceita.
E só quem aceita, ama.

E só quem ama, vive.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Dos meus sonhos

Prenderam as ovelhas
que eu contava pra dormir
nas meninas dos teus olhos.

Pois são elas o que vejo
quando cerro os meus...

E o teu abraço roubou de mim
todas as angústias do mundo
e o colorido do arco-íris
tomou conta de minha Vontade...

E já não há cinza em meus sonhos
só o púrpura e amarelo
e um azul que o céu inveja...

O dia

Quero o teu dia perfeito.
Então pedi aos pássaros que cantem
pelos canteiros por onde passares...

Mas os pássaros são livres,
pois apenas livres serão pássaros,
e só assim seriam belos
e dignos do dia que te desejo.

Mas quero o teu dia perfeito.
Então pedi ao sol que encontre a chuva,
e leve arcos-íris por onde ires....

Mas a chuva é livre,
pois apenas livre a chuva semeia vida à terra,
e apenas um dia repleto de vida
é digno de ser o dia que te desejo.

Mas inda quero teu dia perfeito.
Então o aceito como perfeito,
tenha ele ou não
pássaros ou canto ou sol ou chuva.

E então serei livre
e só assim digno
de estar no dia que te desejo.